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PHP Conf. 3 – Rasmus Lerdorf

 

Chegamos ao último episódio da edição especial do Hostcast na PHP Conference com a tão esperada entrevista com Rasmus Lerdorf, o criador da linguagem PHP.

Galvão Abbott, Kauê Linden, Rasmus Lerdorf e Gustavo Guanabara-PHP Conference 2014, estande da Hostnet – SP, Brasil

Foi uma grande satisfação para nós, que trabalhamos com hospedagem PHP há tantos anos, receber em nosso estande um ícone para a área de desenvolvimento web e conversar com uma pessoa tão educada e um profissional tão acessível .

Nos próximos 50 minutos vocês terão o prazer de ouvir o próprio Rasmus contar que ele já morou no Brasil, como o PHP foi criado e se tornou uma linguagem de programação, suas experiências profissionais. Além disso, ele fala sobre os jovens profissionais no mercado de TI, sobre como os empresários podem estimular seu potencial e ainda manda um recado para os alunos do professor Gustavo Guanabara e todos os estudantes de PHP.

Clique agora no player e ouça o programa, é um prazer dividir esta experiência com todos os amantes de PHP!

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Transcrição da Entrevista feita pela Hostnet com Rasmus Lerdorf, criador do PHP 

Kaue: Agora, nós temos o prazer de estar com o criador do PHP e o Guanabara está muito feliz de estar aqui.

Desculpe, mas como devemos pronunciar o seu nome corretamente?

Rasmus: Meu pais falam “Asmus”.

Kauê: Meu nome com certeza é muito difícil de se pronunciar, meu nome é Kaue e, geralmente, pessoas estrangeiras têm dificuldade para pronunciar meu nome.

Então, estamos aqui com Rasmus Lerdorf, Galvão Abbott e o professor Gustavo Guanabara.

Estivemos na sua palestra, foi muito legal quando você falou sobre ser sonhador e programador. Venho trabalhando com soluções de host nos últimos 15 anos e conversei com muitos desenvolvedores, eles dizem que procuram a perfeição, tem uma frase que eu gosto de dizer que é “perfeito, apenas o perfeito idiota” porque é muito difícil ser perfeito, certo?

Rasmus: É muito difícil e leva muito tempo.

Kauê: Gostaria que você falasse mais um pouco sobre o sonhador, o programador, o que você vê na indústria da internet sobre isso. Estamos aqui para ouvi-lo.

Rasmus: Você está certo, perfeição as vezes atrapalha, se você ficar esperando para fazer algo ser perfeito você nunca irá finalizar nada, especialmente em software, nada é perfeito. Muitas coisas, muitos projetos nunca são finalizados, muitos projetos pessoais nunca chegam perto de serem úteis porque continuam dizendo “Ah não está pronto, não está perfeito ainda”, o importante é ir lá e fazer, sinto com se as pessoas que ficaram presas na perfeição tenham perdido o foco do porque elas estão fazendo aquilo. É realmente só para construir algum software ou é só apenas resolver um problema? Certo?

O mundo não precisa de software, o mundo precisa de soluções. Se você não aplicar o que você está fazendo ao problema então você está desperdiçando completamente o seu tempo. Você pode estar construindo um software perfeito, mas você perdeu o foco da solução, então é inútil. Pode ficar perfeito no final, mas vai levar 10 anos pra isso e até lá você não vai mais fazer ideia de qual era o problema que começou a tentar resolver.

Então, pessoas que realmente resolveram problemas reais, você (Kauê) começou uma companhia, tenho certeza que as coisas não eram perfeitas no início e, provavelmente, muitas coisas estavam erradas, mas você conseguiu. Você foi lá, resolveu alguns problemas pra algumas pessoas e então você repetiu e disse “Ok, bem, isso não estava muito bom, vamos corrigir e então poderemos conseguir mais gente que queira comprar o nosso serviço”. Você tem que ser pragmático. E a um certo ponto só tem que dizer “bom, essa é a maneira, vamos ver como vai ser”.

Kauê: Pragmático é uma palavra que eu amo. Nós somos uma companhia de hospedagem web, temos problemas toda semana, servidores fora de serviço e temos muitos clientes ligando pra gente, os funcionários ficam muito nervosos e eu digo “bem, é TI, estamos aqui pra resolver problemas e isso é parte da nossa solução.”

Esse serviço, essa máquina, vai parar de funcionar as vezes e acho que para trabalhar com TI você tem que ter em mente que “Ok, não é a solução completa”, mas também vejo muitos desenvolvedores que pensam que são gênios, e eles deveriam ser as mentes mais importantes da empresa, certo? Você provavelmente vê muito isso na Califórnia, certo?

Rasmus: Sim, mas geralmente são desenvolvedores muito jovens, os mais velhos já entenderam que eles não sabem de tudo, tem muita coisa pra aprender e é impossível saber de tudo. Muitos jovens não tem a base e a experiência pra resolver muitos problemas, eles acham que sabem de tudo, mas assim que as coisas não funcionam eles olham pras suas ferramentas e pensam “Ué, era pra isso estar funcionando, porque não está?” e se eles não conhecem o sistema operacional bem o suficiente, se tudo o que eles sabem é Ruby on Rails nada mais além disso, assim que alguma coisa falhar eles ficarão completamente perdidos, é aí que você começa a questionar “eu pensei que você tinha dito que era um gênio, que você podia fazer tudo”

Kauê: Eu acho que não é só sobre o que eles pensam sobre si mesmo, no meu ponto de vista estive trabalhando com muitas crianças e posso dizer que são crianças mesmo porque elas já começam a aprender a programar com 12 anos, vejo muitas crianças programando.

Guanabara: Tem muitas na minha classe.

Kauê: Você é um professor, você vê isso toda hora, quando uma criança começa a programar todo mundo começa a ficar orgulhoso porque “oh, ele é tão inteligente! isso é ótimo!” você pode programar, fazer soluções e, as vezes, na minha empresa vejo quando contratamos Trainees e os treinamos e eles crescem na empresa. Nós temos um gerente de desenvolvimento que começou quando tinha 16 e, agora, ele já é o gerente do time de desenvolvimento e toda vez que temos um novo estagiário já começa o “não, esse jovem é bom” e ele começa a acreditar que ele realmente é bom, vai pra casa e seus pais dizem “Ele é um gênio!” e ele começa a acreditar nisso e todo mundo que não programa diz que ele é inteligente e ele começa a acreditar, então quando ele faz 18 ele acha que é o próximo Mark Zuckeberg, não que o Mark seja um bom programador mas ele acha que é tão esperto que qualquer empresa ía querer o contratar, que é um prazer ter esse cara com a gente como um funcionário e isso as vezes é estranho. Gostaria de saber o que Galvão e Guanabara pensam sobre isso.

Galvão: Bom, como eu posso dizer, é um processo natural, acho que eles ainda não são maduros o suficiente pra perceber que, como o Rasmus estava falando, eles não sabem tudo.

Rasmus: E não é isso, você não pode dizer que isso é ma coisa negativa, é uma progressão natural, as vezes você precisa dessa confiança ingênua, aquela confiança de “o quão difícil isso pode ser? Eu sou esperto, posso resolver”, você não deve querer acabar com isso, temos que alimentar e apontar para a direção certa.

Kauê: É difícil.

Rasmus: Sim, é difícil as vezes mas…

Kauê: Perdemos muita gente boa assim.

Rasmus: Sim, mas não é uma coisa pra olhar de uma forma ruim, é interessante saber isso e eu faço graça as vezes, mas eu detestaria matar isso porque as vezes esses desenvolvedores jovens realmente entram com essa confiança e as vezes eles crescem com isso e eu nunca teria começado o PHP se eu soubesse o quão difícil ia ser, quando eu comecei era tipo “o quão difícil isso pode ser? Tanto faz, eu vou descobrir”

Kauê: Quantos anos você tinha quando começou?

Rasmus: Eu era velho, estava nos meus 20 e alguma coisa, vamos ver… 1994, eu nasci em 68 então

Kauê: Então, o Brasil venceu a copa nos EUA e você estava no seu quarto no Canadá programando (risos)

Rasmus: Eu estava pra lá e pra cá entre a Califórnia e o Canadá. Toda essa confiança ingênua, você precisa disso em você poque de onde mais você tiraria essa coragem? Quer dizer, na minha idade agora eu sei o quão difícil são as coisas são, eu nunca começaria uma outra linguagem por exemplo, porque, caramba, 20 anos depois e eu estou fazendo a mesma coisa. Se eu soubesse disso em 1995 eu teria fugido, é loucura, é grande demais e tem coisa como, eu lembro quando vim para o Brasil, eu estava morando em Calgary e, na Universidade, eles tinham esse programa de trabalho onde você vai estudar pela formação e depois trabalha com isso e, então, você troca por tipo 5 anos, eu consegui um trabalho assim em Calgary e um dia eu não conseguia abrir a porta da minha casa para ir trabalhar pois tinha muita neve, eu estava preso em casa.

Liguei pra empresa e expliquei o que tinha acontecido e eles responderam que iriam mandar alguém pra me ajudar, mas tinham aproximadamente 5 pessoas na minha frente com o mesmo problema, então eu teria que esperar algumas horas. Eu liguei a TV e vi Mickey Rourke correndo pelo Rio, garotas de biquine e, enquanto isso, eu vivendo embaixo da neve e pensei “o que diabos eu to fazendo aqui?” Então, no outro dia, mandei um fax pra embaixada brasileira e pedi uma lista de empresas high-tech e eles me falaram de um programa chamado AIS que era um programa de intercâmbio estudantil, me mandaram a lista que eu pedi, mas também falaram sobre essa organização que ajuda estudantes a fazerem intercâmbio. Então eu acabei mandando um currículo pra mais ou menos 15 empresas no Brasil e acho que recebi 5 respostas e através do AIS eles conseguiram me encaixar. Falei pra eles que eu falava um pouco de português, pensando “tenho formação, vou aprender um pouco de português, não vai ser difícil”, mas ai você volta para a escola, com provas e um monte de coisas, eu lembro que eu terminei minha última prova, olhei pro relógio e “caramba, meu voo pro brasil é segunda (e isso era uma sexta) e eu não aprendi nada de português ainda, vou arrumar as malas e depois pegar um livro” mas não consegui parar até chegar no aeroporto em Toronto e “ok, é um voo longo, tem uma livraria aqui perto, vou pegar um livro de português” li no avião, mas era português de Portugal então não funcionou (risos), especialmente pra transportes, ônibus, metrôs, todas a palavras pareciam diferentes porque cheguei no Rio e fiquei completamente perdido.

Kauê: Você foi para o Rio?

Rasmus: Passei pelo Rio, eu não sabia onde era Porto Alegre, isso foi antes do Google Maps existir, então eu tinha olhado num mapa onde Porto Alegre era e não parecia tão distante. Estava tão ocupado que só pensei em marcar o voo, eu sabia que o Rio era no Brasil então pensei “vou para o Rio e de lá resolvo, o quão difícil pode ser?” isso é parte dessa confiança ingênua.

Kauê: Eu também era assim, quando tinha uns 19 anos eu queria ir pros EUA, queria estudar lá e achava que já sabia inglês suficiente, chegar em Nova Iorque e ir pro dormitório. A escola perguntou se eu queria que alguém me buscasse no aeroporto mas pensei “Ah, qual é, não preciso disso”, mas meu inglês era tão ruim, que toda vez que eu falava New York eles entendiam Newark. Você falou sobre ingenuidade, a gente tem que fazer as crianças acreditarem que elas conseguem, este é o ponto que você quis mostrar.

Rasmus: Sim, a gente não pode acabar com isso, você não quer trazê-los para baixo.

Kauê: O mundo vai fazer isso.

Rasmus: O mundo efetivamente vai fazer isso, acontece naturalmente. Você só precisa guiá-los na direção certa e as vezes isso é difícil. Então, não quero que seu estudantes achem que estamos zombando deles, de jeito nenhum, nós precisamos dessa confiança ingênua, sem ela o PHP não existiria.

Guanabara: Você nos contou a historia do PHP e nós lemos muito sobre isso na Wikipedia, no php.net, e queria pedir pra você contar um pouco sobre a historia do PHP pros meus alunos e pros ouvintes do podcast, por favor.

Rasmus: Eu estava trabalhando para uma empresa brasileira na California em 1993/94.

Guanabara: Brasileira?

Rasmus: Nutec Informática, de Porto Alegre. Estava trabalhando com eles e o Mosaic browser foi lançado em 12/11/1994, se eu não me engano. A web já meio que existia mas só era acessível através de uns comandos. Não era uma coisa que eu pudesse mostrar pros meus pais e falar “vocês precisam disso”, meus pais não precisam de Gopher, de links, é tudo text-based/baseado em texto, muito geek. Mas quando o primeiro browser que eu poderia colocar imagens e textos em volta como uma página de revista surgiu, era óbvio.

Guanabara: Eu usei o Gopher.

Rasmus: Todos os geeks usaram, mas seus pais nunca usaram. Foi quando eu comecei a olhar para a web, eu precisava de uma ferramenta pra resolver esse problema da web, uma ferramenta para construir páginas web interessantes e dinâmicas, porque logo no início era tudo estático, na época do Gopher as páginas eram estáticas, existia material de pesquisa que você lia, você não interagia com a página, você podia ir de um link para o outro mas era só isso, apenas texto.Naquela época a web havia progredido muito além do Gopher num ponto que agora era interativa, você podia mandar solicitações, receber respostas e fazer formulários, até a text-based web por links tinha formulários, era difícil de fazer mas era possível, mas agora com melhor interface a web estava lá. Foi isso que eu queria com o PHP, construir uma ferramenta que deixa mais fácil resolver esse problema da web, como construímos páginas de web dinâmicas.

Guanabara: Não uma linguagem, apenas uma ferramenta.

Rasmus: Não uma linguagem, de forma alguma. Eu comecei usando o Perl, porque todo mundo estava usando, escrevendo cgis e cgipm, inicialmente escrevi em C, é claro, mas aí comecei a usar o Perl cgipm porque era a primeira ferramenta real.

Guanabara: Você é um programador de C e Perl.

Rasmus: Mais de C, mas um pouco de Perl também. Oak era a minha linguagem favorita, mas isso é muito geek (risos). Então, eu conhecia a ferramenta, olhei o CGIPM, era muita programação para a página porque as tags eram basicamente programadas em Perl, e as tags não estava separadas da programação, eu queria essa separação e já tinha escrito muito código em C em alguns projetos, eu precisava expor aquele código C para as minha páginas web, então eu decidi escrever algo muito simples que iria ler uma página e quando atingisse uma certa tag chamaria uma função C de mesmo nome, então eu poderia escrever todo meu projeto em C e facilmente fazer chamadas nele. A linguagem das tags era super simples, você não podia fazer nada, apenas por tags, se você quisesse lógica você escrevia em C e fazia uma nova tag.

Guanabara: O primeiro nome é muito simples, é Personal Home Page

Rasmus: Personal Home Page Tools. O que eu fiz foi lançá-lo, o produto na verdade era era uma API, era o CAPI, mas eu não podia simplesmente lançar uma API. Eu queria lançar um conjunto de ferramentas construídas usando aquela API. E eu disse “esse é o conjunto de ferramentas, esses são os problemas que você pode resolver usando-as e, a propósito, aqui está como criar suas próprias ferramentas”.

As pessoas não eram pacientes, elas queriam saber que problemas elas poderiam resolver com essas ferramenta e eu esperava prendê-las com aquilo e ai elas diriam “Isso é legal, como resolvo outros problemas e como começo a escrever minhas próprias ferramentas?” mas não foi o que aconteceu, as pessoas não escreveram código C, elas simplesmente usaram as ferramentas que eu forneci e disseram “hey, isso é legal mas eu gostaria que essa ferramenta também fizessem isso, isso e isso” e eu disse: “estes são só exemplos, use como exemplos e escreva a ferramenta do jeito que você precisa que seja”, mas eles diziam que C era complicado e que eles não tinham tempo, a web estava crescendo tão rápido e as pessoas que eram designadas pra resolver os problemas de web na maioria das empresas não eram programadores. Era apenas uma empresa falando “ei, essa coisa nova de web, nós deveríamos entrar nisso, o que podemos fazer? Vamos colocar nossa documentação de produto online” E essa documentação foi escrita por um time de escritores técnicos de documentação que acabou virando o time de Web mesmo sem entender sobre web. Mas aí o próximo problema aparece e a administração diz: “queremos fazer mais, vamos expor nosso inventário para que as pessoas possam ver que temos nossos itens em estoque, quem sabe eles possam se registrar e nós poderíamos mandar e-mails, alguma interatividade” então eles foram ate o time de web (que na verdade são os escritores técnicos que não sabem programar) e pediram pra que eles fizessem isso, mas obviamente o time não sabia o que fazer.

Esses foram os primeiros clientes das minhas ferramentas de PHP, mas ficou mais difícil e eles quebraram em problemas menores, então comecei a adicionar um pouco de lógica. Cada passo na macro-linguagem fez sentido, entretanto, eu me recusava a chamar de linguagem, era só um pouco de lógica pra que pudessem mostrar a informação, mas essa lógica de display foi ficando mais e mais complicada porque quando você tem um loop você precisa de uma maneira de sair do loop e quando você tem um coleção de 3 tags, por exemplo, porque você não pode então juntá-las em uma função e chamar isso de função?

Guanabara: Foi o ponto que para você virou uma linguagem.

Rasmus: sim, e alguém disse “uma vez que eu tenho uma função porque não posso chamar uma função a partir de outra função?”. Mas nao tinha jeito de parar a recursão/repetição, então eu adicionei recursão, mas era infinita. Mas a reação das pessoas foi “É muito bom que tenhamos recursão agora, mas falha toda vez que usamos porque não tem nenhum jeito de sairmos”…” ah, vocês não tinham me pedido isso, vocês pediram recursão”.

Guanabara: Basicamente as pessoas pediram pra vcocê criar uma linguagem.

Rasmus: Não, elas foram mais sorrateiras que isso, foram pedindo características individuais e cada característica era óbvia. Então eu tinha que ,de algum modo, parar a recursão, o que significava que eu tinham que declarar uma variáve,l que deveria ser chamada apenas uma vez e fazer varias outras coisas. Então você tem condições de if, variáveis, chamadas de função… você tem uma linguagem! E foi o que aconteceu.

Quando adicionei essas coisas a linguagem temporária, as pessoas esqueceram completamente o fato de que isso era pra ser um CAPI, mas a linguagem cresceu tanto a ponto deles poderem implementar tudo o que queriam na linguagem. Então começaram a perdi mais coisas, mais suporte e ferramentas e eu fui adicionando, chegou a um ponto que eu acho que tinha provavelmente uns 50 websites de empresas diferentes porque naquela época a web era um local diferente, não tinham tanta preocupação com segurança porque as informações postadas online inicialmente eram documentações de produtos e nada muito crítico. As empresas não tinham muito problema dando acesso a seus servidores. Então eu era o departamento de TI de muitas empresas. Mas aí as coisas começaram a perder o controle e tive que passar a responsabilidade para mais pessoas porque eu não conseguia mais acompanhar, eram muitas pessoas me pedindo coisas, mandando perguntas e relatórios a um ponto em que ou eu teria que acabar com aquilo pois estava me destruindo, eu não estava fazendo nenhum dinheiro, estava gastando todo o meu tempo com aquilo, precisava de um emprego ou parar um pouco, e foi ai que achei alguns voluntários, eu basicamente olhei os relatórios de Bug e para as pessoas que mais estavam reclamando sobre as coisas eu disse: “você pega essa parte porque você obviamente entende mais de Oracle do que eu, então essa parte é sua, cada relatório de erro que vier a partir de agora vem pra você”. Eu tive que desistir do controle, muitas coisas que eu não teria feito do jeito que fizeram estavam corretas e meu pensamento estava errado. Em outros casos acho que eu ainda estava certo (risos), mas é o que acontece quando se torna um esforço colaborativo e foi assim que o PHP começou.

Kauê: Agora queria quebrar a conversa sobre essa paixão e como as pessoas tem que seguir seus instintos e fazer o que elas gostam, não apenas sobre código. Dessa vez você nos contou sobre a historia do PHP e sua troca de trabalhos e outras coisas que você tinha que fazer. Você começou o PHP no seu tempo livre, certo?

Rasmus: Isso.

Kauê: Mas vc tinha um trabalho?

Rasmus: Sim.

Kauê: E durante a sua carreira, você trabalhou em empresas que você se sentiu motivado?

Rasmus: Eu percebi que as pessoas tem que começar em algum lugar e, sim, você pode precisar pegar trabalhos e trabalhar com coisas que você não tem tanto interesse.

Você usa o seu tempo livre se você não está num trabalho que consume todo o seu tempo, digamos que você esteja num trabalho muito chato, de 9h às 17h, mas assim que você termina, às 17h, a sua vida é sua pelo resto do dia, então você tem mais 6 horas onde você pode fazer o que realmente gosta e, com esperança, você chega ao ponto onde se torna bom o suficiente naquela coisa ou cria a sua própria indústria, que é mais ou menos o que aconteceu comigo, mas acho que se você for esperto e motivado o suficiente, deve ser possível viver da coisa que você gosta muito.

Eu percebi que nem é sempre possível pois algumas pessoas são apaixonadas por algumas coisas, mas simplesmente não conseguem viver delas, porém se você olhar na web, atualmente verá algumas ideias que pareciam bobas e funcionaram. E, talvez, nem toda empresa se torne o Facebook ou o Twitter, mas existem muitas do que chamam de empresas lifestyle que suportam 3, 4, 5, 20 pessoas talvez, eles nunca serão o Facebook, mas as 20 pessoas que trabalham lá são apaixonadas por seu pequeno domínio e está gerando dinheiro suficiente para que elas estejam felizes fazendo o que gostam.

Kauê: Então isso é o que você esta fazendo agora, certo? Você pode falar um pouco sobre o Etsy?

Rasmus: Bom, o Etsy cresceu um pouco além, nós agora somos 700 pessoas, não que seja muito, a empresa já tem 10 anos, não é mais uma nova startup. Atualmente, existem muitas empresas que fazem muitas cosias na internet, então acho que hoje não é tao difícil achar uma empresa que faça o que você goste. Agora, se você tem 17 anos e acabou de sair da escola pode ser difícil conseguir um trabalho nessa empresa e é ai que você tem que parar e pensar “Ok, o que eu preciso pra conseguir um trabalho nessa empresa?” e na, maioria dos casos, não é preciso muito, você só precisa mostrar a sua paixão. No Etsy, quando eu ajudo na parte de contratação, se eu acho um novato que é motivado e apaixonado pela nossa missão, fácil, traga-o para ser um estagiário, sem problemas, mas leva um pouco de energia, um tipo de pressão da pessoa pra me mostrar que ela é vidrada naquilo e talvez eu pergunte pra ela quais são seus hobbies, o que a motiva e se é interessante, por exemplo, “Eu sou um gamer, passo 12 horas por dia jogando video games” se eu sou de uma empresa de games seria ótimo, mas nesse caso particular não me ajuda muito.

Kauê: Acho que podemos dizer o mesmo por exemplo, Galvão está organizando o evento e podemos ver a paixão nos seu olhos, ele está sempre feliz mesmo com os problemas que acontecem.

Rasmus: Acho que você está exagerando um pouco na parte que diz que ele está feliz com todos os problemas (risos).

Galvão: É ele exagerou um pouco.

Kauê: Não que ele esteja feliz com os problemas, mas feliz de estar aqui e ter essas pessoas aqui. O Guanabara, por exemplo, faz esse curso de PHP no seu tempo livre e faz gratuitamente, as vezes as pessoas perguntam pra ele: “porque você não vende os cursos?” e ele diz: “não, já tem muita gente que vende cursos e eu acho que não são muito bons, então acho que eu consigo fazer o meu curso de graça e é isso que faz a diferença”. Quando eu comecei, eu tinha aquela inocência de achar que teria um empresa gigante e, agora, eu penso “eu quero ter o mínimo de funcionários possível” porque é muito difícil juntar as pessoas e colocá-las na mesma direção. Você disse isso quando estava começando o seu trabalho com o Etsy no Canadá e no México, você tinha problemas maiores que a programação, tinha que trabalhar com o governo, acho que devemos também pensar na solução e não só na maneira de chegar a ela, certo?

É um grande prazer ter você aqui e, ontem, estávamos falando sobre como o PHP é importante para a comunidade open source, a gente lembra da época em que só tínhamos o Perl pra programar pra web e eu costumava a ir em websites que tinham soluções e eu estava procurando apenas as soluções, mas quando o PHP veio nós começamos a ter não só parte da solução. Você tem WordPress, PrestaShop, Magento, LimeSurvey e tantas outras soluções e isso nos ajudou a não ter a Microsoft nesse espaço. Acho que o PHP e o ASP começaram quase ao mesmo tempo, certo?

Rasmus: ASP veio alguns anos depois.

Kauê: Então, o PHP ajudou a comunidade a se envolver e a trazer a linguagem que temos hoje, então é muito legal ver isso, ver que como o Open Source faz a diferença, certo? Queria só agradecer por estar aqui e estar com você, estou muito feliz por estar aqui.

Guanabara: Também estou muito feliz, sério. (risos) Faz mais ou menos 20 anos que sou professor e hoje eu  ensino PHP. Há 10 anos eu vejo gente jovem trabalhando com PHP, eu tive o prazer de encontrar o Matt Mullenweg, que criou o WordPress, e agora estou sem palavras.

Kauê: Eu gostaria que você tivesse mais dinheiro que o Mark Zuckeberg. (risos)

Guanabara: Quem me dera! (risos)

Kauê: Você merece, se o mundo fosse justo, pessoas como você, teriam muito mais espaço. Facebook é uma solução tão estúpida, você vê gente perdendo tempo e do outro lado você vê gente estudando PHP, fazendo suas soluções, ganhando experiência. Por isso as vezes a gente sente que o mundo não é justo.

Guanabara: Quero pedir ao Rasmus uma última coisa, gostaria que você mandasse uma mensagem aos meus alunos, não só os da escola, mas também os da internet. Eles estavam me parando ali no corredor e falando “você é meu professor, mas eu nunca te vejo!”, o prazer que eles estavam sentindo eu estou sentido agora. Então gostaria que você mandasse uma mensagem para meus alunos.

Rasmus: Então, acho que a melhor mensagem que eu posso passar pra vocês é: corram atrás e façam. Não fique com medo de se expressar, você vai receber muitas críticas, a Web é um lugar desagradável, mas você tem que se arriscar um pouco, você tem que tentar e ver o que acontece. A maioria das pessoas criticando? Apenas ignore-as completamente. Essas são as pessoas que estão fazendo nada, essas são as pessoas que estão apenas sentadas criticando as outras pessoas que estão fazendo alguma coisa e não é assim que a gente consegue as coisas.

Talvez, as coisas que você faça sejam bobas, talvez elas não estejam certas, você vai descobrir, vai repetir e vai melhorar e a próxima coisa pode ser a coisa certa, mas até você realmente tentar, se você ficar apenas sentado, com medo de tentar, nada será feito. São os que correm atrás que fazem a diferença. Eu não era a pessoa certa pra construir o PHP, eu não tinha a experiência certa, eu não tinha o ambiente correto, eu não tinha todas as coisas que se vocês vissem listado era quem deveria escrever o PHP, naquela época em 1995, eu estaria no fim da lista de quem deveria escrever.

Um Phd em Ciência da Computação provavelmente estaria no topo da lista, mas se ele o tivesse escrito, provavelmente, não teria feito todo o trabalho no sistema e todas as outras coisas que foram necessárias para levar o PHP onde estava. Então, às vezes, é tipo um talento oculto que cada indivíduo tem que aparece quando eles tentam resolver um problema de uma nova maneira. Então, meu pedido e minha expectativa é de que seus alunos vão tentar. Eles vão tentar e ver se funciona, mas não fiquem com medo de tentar.

Guanabara: Muito obrigado.

Rasmus: De nada.

5 comments

  1. Lucas Franco disse:

    Na foto a gente tem a confirmação: gringo não abraça.

  2. Parabéns Guanabara ótima entrevista isso é pra poucos….

  3. Eliseu disse:

    Parabéns Guanabara, suas aulas são muito boas, você é muito ferra

  4. Luyiz disse:

    Parabéns Guanabara, cara esta me ajudando muito na faculdade suas aulas de PHP parabéns pela incrível entrevista com Rasmus Lerdorf galera!!!

  5. Leonardo Anselmo disse:

    Ótima entrevista. Você tem a ideia que o criador é um cara totalmente diferente, quando você ouve o cara falar, por onde passou, você para por um momento e diz pra si. Também posso? Pq não? Como o Rasmus Lerdorf falou: “Vai lá e faz…”. 🙂

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